quinta-feira, 30 de março de 2017

Vale a pena a leitura

Essa postagem vai com nenhum outro comentário além de que é um ótimo texto.


SENSO INCOMUM

Os presos da "lava jato", os índios, o voyeurismo e a atriz global




Caricatura Lenio Luiz Streck (nova) [Spacca]
Subtese: “Voyerar” presos é o mesmo que fazer selfie em velório.

O colunista Mauricio Lima (revista Veja) conta — notícia não desmentida — que os atores Bruce Gomlevsky e Flávia Alessandra, que representam os delegados Marcio e Erika no filme sobre a "lava jato", foram a Curitiba para filmar nas dependências da Polícia Federal. Feitas as tomadas — o local fora fechado para isso — o grupo da filmagem teve a “jenial” ideia de olhar alguns presos da "lava jato". Foram levados pelos carcereiros a visitar as celas de Eduardo Cunha, Palocci etc., mas a maior atração querida pelos atores e membros da equipe de filmagem era Marcelo Odebrecht. Este, segundo a matéria, escondeu-se para não ser visto (ou filmado). Depois de alguns minutos, a atriz, à socapa e à sorrelfa (socapa e sorrelfa são por minha conta) conseguiu ver o troféu.
Incrível. Quer dizer, crível, porque em Pindorama tudo é possível. Os franceses faziam isso com nossos índios, certo? Os carcereiros da Polícia Federal, violando a privacidade dos presos, permitiram que os membros da equipe de filmagem vissem os “enjaulados”? Qual é o limite da humilhação? Vale tudo pela fama? Vale tudo para “mergulhar” no personagem?
No Rio de Janeiro, rasparam a cabeça de Eike Batista. Explicação da juíza: só raspamos as cabeças de presos homens porque as mulheres são mais asseadas (está escrito em uma decisão proposta pela Defensoria). E o que dizer dos episódios de Cabral e Garotinho?
E o que dizer, também, do tratamento dado aos presos “comuns”, não famosos? Humilhação cotidiana nas masmorras medievais (a expressão é do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal). Vida nua, diz Agambem. Simbolicamente o “papel” desempenhado pela atriz representa o olhar da sociedade sobre os presos. A sociedade observa como experimento. Um zoo (des)humano. Um misto de exotismo e vingança. E as conduções coercitivas? Cultura do espetáculo.
O que está acontecendo com o país? Autoridades cada vez mais truculentas e autoritárias. Em um estado da federação, desembargador mandou prender um policial que perturbara seu filho (o filho do desembargador). No Rio de Janeiro, agente que, cumprindo seu dever, exigiu documentos de magistrado, foi condenada por dizer que “juiz não é Deus”, em resposta a uma atitude própria daquilo que Faoro tão bem chamou de “sociedade estamental”. Em São Paulo, advogado foi algemado por “entrar no elevador errado” no Tribunal Regional do Trabalho. No Rio de Janeiro, juíza concede mandado de busca e apreensão coletivo em favela.
Todos os dias advogados e partes testemunham coisas tipo-estamentais. Já escrevi aqui que advogar virou exercício de humilhação cotidiana. No plano do imaginário social, tudo isso está interligado. No fundo, “os carcereiros” de Curitiba se sentem “proprietários” dos presos. Assim como os atores da Globo pensam que podem fazer voyeurismo dos detentos. Uns pensam que podem exibi-los; outros, que podem “espiá-los” (vejam a ambiguidade do “espiar”). Como se estivessem à venda. Como no século XIX, Flávia Alessandra queria examinar os dentes do preso, para ver se podia comprá-lo e, quem sabe, chicoteá-lo. Afinal, “somos” os outros — olhamos de fora. Não somos parte disso. Eis o paradoxo: pior é somos...
Consciente ou inconscientemente, é disso que se trata. Construímos esse imaginário, no interior do qual “cada um tem de saber o seu lugar”, porque alguns “eleitos” determinam as condições de ocupação desse lócus. Não é de admirar que continuamos com elevadores privativos, elevadores sociais e de serviço, estacionamentos privativíssimos, verbas especiais para tudo que é tipo de cargos. Como um dia disse a filósofa contemporânea Carolina Ferraz, justificando a separação entre elevadores sociais e de serviço, “as coisas estão muito misturadas, confusas, na sociedade moderna; algumas coisas, da tradição, devem ser preservadas”. Bingo. E que tradição, não? Ou o que disse a “promoter” Daniela Diniz: cada um deve ter o seu espaço; não é uma questão de discriminação, mas de respeito”. Como se aprende coisas com essa gente, não? É quase como olhar a GloboNews, com os filósofos Birnbaum, Kabina, Ontaime and Wolff. Nota: Promoter, até pela pronúncia (diz-se “promôôuuter), deve ser algo chique. Fazem festas para a burguesia cheirosa de Pindorama, que só usa perfumes oxítonos.
Sigo. A propósito, conto um episódio que ouvi no Rio de Janeiro há mais de 20 anos. Uma senhora, negra, fora impedida, pelo síndico, de usar o elevador social do prédio, porque empregada doméstica. Seu patrão entrou em juízo contra isso. E foi vencedor. A empregada ganhou uma espécie de “salvo conduto” para usar o elevador social. Dia seguinte à vitória, a senhora, com uma sacola das Casas da Banha a tiracolo, “embarcou” no elevador de serviço, ao que foi inquirida pelo seu patrão acerca do fato. Afinal, ganhara “permissão” para usar o elevador social. Ela respondeu: “— Doutor, eu sei o meu lugar”. Pronto. No fundo, é isso que as elites brasileiras, forjadas no patrimonialismo, conseguiram fazer. Na primeira metade do século XVI, Ettienne de La Bottie já escrevia o seu Discurso sobre a servidão voluntária. Ali ele já tentava explicar, antes da própria modernidade e dos direitos e garantias de igualdade que só exsurgiram séculos depois, as razões do “eu sei o meu lugar”.
Por isso não surpreende que tanta gente, aqui mesmo na ConJur, tenha dado razão ao juiz que disse que o advogado deveria prestar concurso para juiz, como se a profissão de advogado fosse inferior à profissão de magistrado (consciente ou inconscientemente, é isso que está por trás do discurso).Não surpreende que tanta gente tenha justificado a ação dos guardas que algemaram o advogado no TRT-2. Não surpreende que, atualmente, parcela considerável dos advogados consiga entrar no fórum mesmo quando as portas estão trancadas: sem espinha dorsal, passam por debaixo da porta. Mas, no fundo, não os culpo. Seu imaginário foi forjado desse modo. Sabem “o seu lugar”.
Não surpreende, portanto, a atitude da atriz global e dos carcereiros da polícia. Não que os carcereiros (não sei se tinha delegado na comitiva) e a própria atriz sejam elites no sentido estrito ou até que tenham consciência do que fizeram. Ocorre que, no plano do imaginário, é exatamente a incorporação desse corpus de representações que faz com que pensemos “como se fossemos”. Não esqueçamos que, com a ideologia, as coisas se invertem: por vezes quem tem mais medo da reforma agrária é quem só tem terra debaixo da unha, se me entendem a crítica à alienação (que é quando “alieno-a-minha-ação”; por isso, uma pessoa alienada “ali-é-nada”, com a permissão de minha LEER) e pedindo perdão pelo estagiário não levantar placa alguma.
E, afinal, não esqueçamos também que todos moram(os) em Pindorama. Que, como disse Millôr, tem como futuro um imenso passado pela frente

terça-feira, 28 de março de 2017

Bresser Pereira em mais uma ótima explicação

Concordo com quase tudo que Bresser Pereira coloca em seu texto. Isso já está mais do que provado, e até mesmo economistas do Banco Mundial e do FMI já vêm, mesmo que claudicantemente, indicando que as lições neoliberais não apenas não surtem os efeitos desejados, como ainda deixam um rastro de destruição econômica e social para os países que as aplicam.

Acrecemos a isso a sobrevalorização das commodities durante o governo Lula, e início do governo Dilma, e as crises políticas que tivemos com a eleição de Lula e a partir do final do primeiro governo Dilma, e vemos um quadro agravado.

Não a toa temos a maior recessão pela qual o país já passou. E ainda não chegamos ao fundo do poço.


A teoria se confirma, mas sombriamente

Um cientista se alegra quando desenvolve uma teoria que implica uma predição e esta se confirma na prática. Em 2008 eu propus a tendência fundamental da macroeconomia desenvolvimentista que venho desenvolvendo desde 2001 – a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio. Isto significa que a taxa de câmbio se deprecia fortemente nas crises, mas logo volta a se apreciar, o país passa a ter deficits em conta-corrente, e alguns anos depois, devido ao contínuo aumento das dívidas das empresas e do país, uma nova crise financeira se desencadeia, e a taxa de câmbio novamente se deprecia.

Em 2008 a taxa de câmbio, que se depreciara fortemente na crise financeira de 2002, já voltara a se apreciar e desde o ano anterior estava sobreapreciada ao mesmo tempo em que o deficit em conta corrente do país já voltara a ser grande, dada a forte correlação entre este e a taxa de câmbio. Nos anos seguintes a tendência se confirmou, e a taxa real de câmbio, a preços do final de 2015, flutuou em torno de R$ 2,80, quando a taxa de câmbio, que torna competitivas as boas empresas industriais do país, era de R$ 3,80 por dólar. Assim, a previsão se confirmou, como também se confirmou sua consequência: as empresas, tornadas assim sem competitividade, deixaram de investir, houve uma nova e brutal onda de desindustrialização, as empresas se endividaram, e, no segundo semestre de 2014, o país entrou em crise financeira, e a taxa de câmbio voltou a se depreciar. Ela chegou a R$ 4,40, mas logo voltou se a apreciar, e hoje, a preços de hoje, quando a taxa de câmbio competitiva ou de equilíbrio industrial é de cerca de R$ 4,00 por dólar, ela caiu (apreciou-se) para R$ 3,00 por dólar.

Novamente a teoria se confirmou na prática. Mas não estou alegre. O que se confirmou foi uma previsão sombria. Quando a taxa de câmbio não é apenas volátil, mas tende a permanecer apreciada por vários anos – algo que apenas a macroeconômico novo-desenvolvimentista afirma – o país fica condenado a exportar apenas commodities e permanecer semiestagnado, como está desde 1990, crescendo em média, por pessoa, 1% ao ano. Hoje o Valor publica ampla reportagem onde as empresas industriais afirmam que essa taxa de câmbio inviabiliza a indústria – é mais que isto, inviabiliza o Brasil.

Por que a taxa de câmbio tende a se sobre-apreciar nos países em desenvolvimento? No plano econômico, porque muitos deles sofrem a doença holandesa, porque suas taxas de juros tendem a ser elevadas, atraindo capitais, porque seus governos acreditam equivocadamente que o pode crescer com “poupança externa”, ou seja, com deficit em conta corrente financiado por investimentos diretos e empréstimos, e finalmente, porque usam o câmbio como âncora para controlar a inflação; no plano cultural, porque os brasileiros revelam uma alta preferência pelo consumo imediato, que é incompatível com uma taxa de câmbio competitiva ou de equilíbrio industrial, e, segundo, porque deixaram de ser nacionalistas, e passaram a acreditar nas recomendações e pressões dos países ricos.

Keynes afirmou que a economia é uma ciência triste, sombria. Tinha razão. Mas ele mostrou que através de uma boa política macroeconômica – fiscal e monetária – seria possível superar suas previsões sombrias. Os economistas novo-desenvolvimentistas concordam, mas acrescentam: é preciso também uma política cambial – algo que o Brasil não tem desde 1990, quando se submeteu ao capitalismo financeiro-rentista do Oeste, suas elites se tornaram liberal-dependentes, e semi-estagnação se tornou o novo normal .

quinta-feira, 23 de março de 2017

Não é só o salário que cai

É certo que a automatização tende a reduzir empregos em todo o mundo e em todos os setores.

Assim como é certo que é de interesse de empregadores reduzir custos, incluindo aí os custos com mão de obra.

E como é certo que costumeiramente há conflito entre interesses de trabalhadores e empregadores.

Mas é importante salientar que não se pode colocar em risco a saúde de trabalhadores, o patrimônio, o meio ambiente, e até mesmo os interesses econômicos de outros setores de atividade, em prol do aumento de lucro de apenas um.

Não é de hoje que o Sindmar denuncia ações de empresas que colocam em risco tudo isso que elencamos acima. Agora a CONTTMAF se junta nessa empreitada. A Marinha do Brasil deveria investigar as denúncias feitas pela entidade sindical, porque situações como essas podem levar a consequências muito graves, e não falamos apenas na perda de postos de trabalho.



Sindicato denuncia Transpetro por redução de equipes

Renée Peixeira

Entidade sindical alerta Marinha para riscos do corte no número de tripulantes nos navios da subsidiária da Petrobrás

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos (Conttmaf) está acusando a Transpetro, subsidiária da Petrobrás, de reduzir o número de tripulantes em suas embarcações, o que eleva o risco da operação. Desde dezembro, a Conttmaf diz ter encaminhado ofícios à Diretoria de Portos e Costa (DPC) da Marinha para alertar sobre os riscos da prática adotada por empresas na área de offshore.

Um dos maiores riscos, de acordo com a entidade, é a fadiga dos trabalhadores, que poderia resultar em acidentes graves. Em ofício encaminhado no início de dezembro, a associação faz várias acusações à Transpetro e pede que a Marinha aumente a fiscalização nas embarcações.

Segundo o diretor da Conttmaf, Carlos Müller, hoje cada navio da empresa está operando com cinco tripulantes a menos, em média. “Antes, um navio era tripulado por 23 pessoas. Agora tem 19 e há casos em que trabalham só com 16 ou 17.” Pelas regras, cada embarcação tem uma quantidade mínima de trabalhadores definida pela Marinha.

Esses números constam do Cartão de Tripulação de Segurança, conhecido como CTS. Nos anos 1990, houve uma pressão para reduzir o número de tripulantes constante nesse documento. O corte foi autorizado, mas depois de uma série de manifestações contrárias à medida, os armadores voltaram atrás e mantiveram o número de tripulantes. No papel, no entanto, a redução foi mantida.

Nelson Carlini, ex-presidente da CMA CGM, uma das maiores armadoras do mundo, porém, é crítico em relação à denuncia da Conttmaf. Para ele, o Brasil sempre trabalhou com um número de tripulantes muito acima da média mundial. “Há navios que atracam no País com 9 tripulantes. Não há mais necessidade para um monte de gente, como no passado. Todo mundo tem de fazer tudo agora. E, numa situação como a da Petrobrás, é preciso aplicar o bom senso.”

Outras acusações feitas à Transpetro referem-se ao desvio de função de tripulantes que passaram a ser designados para fazer atividades daqueles que foram cortados; alteração de registros de horas trabalhadas para menos; e ocorrência de fadiga na tripulação.

Procurada, a Transpetro não quis se pronunciar. Já o DPC afirmou que se reuniu recentemente com a confederação e com a empresa para buscar alternativas para a manutenção dos empregos e para uma operação menos onerosa nesses tempos de crise.

PARA ENTENDER

Regra sobre tripulações

O Cartão de Tripulação de Segurança (CTS) é um documento usado internacionalmente e regulamentado de acordo com as normas locais. No Brasil, fica sob responsabilidade da Diretoria de Portos e Costas (DPC). O documento discrimina a quantidade mínima, a qualificação de tripulantes de uma determinada embarcação e que tarefas cada um vai executar nas diversas seções de um navio, como convés, máquinas e serviços, explica do DPC.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Transpetro retrocede aos anos de ferro

Absurda a solicitação da Transpetro, que ao solicitar acesso a informações sigilosas sobre o sistema de votação dos sindicatos representantes dos marítimos embarcados em seus navios, não apenas dá mostras de não respeitar categoria e representações, como ainda tenta, mesmo que de forma sutil, interferir na organização e nos processos dos sindicatos envolvidos.

Seria aceitável se estivéssemos lá pelos idos de 1900, quando tais atitudes eram corriqueiras, ainda que injustas. Mas quando estamos em pleno Séc. XXI, com legislação nacional e internacional que expressam de forma clara e inequívoca, que é vedado a interferência externa em sindicatos, assim como atitudes que visem coibir e/ou influenciar na livre associação e ação dos trabalhadores em suas entidades sindicais, aí a coisa se caracteriza como sério retrocesso, além de absurda falta de respeito, tanto às organizações sindicais, como a própria legislação vigente.

Os sindicatos marítimos, ainda que enfrentem problemas, conseguem manter boas organização e combatividade. Se tentam fazer isso com eles, imaginem com aqueles que são fracos e desorganizados. 

E querem te tirar direitos consolidados na legislação, dizendo que deveriam ser fruto de livre negociação. Desse jeito é uma tentativa camuflada de explorar ainda mais os trabalhadores.

Abram seus olhos. A ponte não é para o futuro, mas já que o próprio Fernando Henrique Cardoso disse, não passa de uma pinguela, mas para um passado escuro e tenebroso.




Sem proposta aceitável para o regime 1×1, Transpetro quer saber como os navios votaram


A Transpetro formalizou, por meio de ofício, o pedido de detalhamento do resultado da consulta às propostas do termo aditivo ao Acordo Coletivo de Trabalho – ACT 2015/2017 oferecido pelo Sistema Petrobras. Encerrada no dia 6 de março, a votação registrou 98% de rejeição, sendo 86% do total dos votos provenientes de marítimos que se encontravam embarcados.
Em resposta, as Entidades Sindicais reafirmaram que não submeterão à análise da Transpetro informações como categoria, empresa e navio. Os Sindicatos lembraram que o modelo atual de votação é resultante da pressão exercida a bordo e da interferência de representantes da Transpetro em consultas anteriores. A CONTTMAF destacou, ainda, o caráter confidencial dos votos e a necessidade de manter o modelo atual de consulta, considerado necessário pelos seus representados e representadas.
Acesse o ofício enviado pela CONTTMAF à Transpetro e a mensagem circular encaminhada pelo SINDMAR aos Oficiais e Eletricistas.

terça-feira, 21 de março de 2017

Arrocho salarial é grande.


Toda vez que as crises econômicas são profundas, as empresas se sentem extremamente fortes na relação capital x trabalho. No Brasil isso está cada vez mais nítido. Nesse cenário, sindicatos perdem poder de negociação, trabalhadores perdem direitos, e a sociedade regride, muitas vezes anos, na relação capital trabalho. Quando essa regressão é fortemente apoiada pelo governo, aí é que a coisa degringola de vez.

Mas ainda que as empresas acreditem que isso seja bom, elas estão enganadas. Isso porque perdem mercado, perdem poder de mercado, perdem valor e têm mais dificuldades em competir com outras empresas em âmbito internacional.

Porque recessão só é bom para quem não produz, mas vive de especulação. Só que essa lógica só vai até certo ponto, porque alguém que produz precisa pagar a conta da especulação, mas para isso ele precisa ter trabalho. Sem que o trabalho ganhe, a conta da especulação não se paga.

E é exatamente isso que vemos acontecendo no Brasil.



"O trabalhador é pressionado a aceitar uma condição aviltante"

por Miguel Martins — publicado 21/02/2017 00h30, última modificação 21/02/2017 01h32
As demissões para a contratação de novos profissionais com salários mais baixos incentivam o atual arrocho salarial, diz o diretor do Dieese
Marcos Oliveira / Agência Senado
Clemente Ganz Lúcio
"Não fosse a crise política, a economia brasileira poderia ter uma performance diferente"



À parte o ajuste fiscal adotado pelos governos, a combinação entre a crise econômica e a inflação alta nos últimos dois anos tem contribuído de forma decisiva para o arrocho salarial no País. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a média dos reajustes nos vencimentos de todas as categorias está abaixo da inflação desde o segundo semestre de 2015.
No ano passado, a defasagem tornou-se ainda mais dramática: entre janeiro e junho de 2016, 76% dos trabalhadores receberam aumentos iguais ou inferiores ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Quase 40% dos profissionais brasileiros apresentaram perda real em seus vencimentos. 
Segundo o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, o arrocho atual lembra àquele registrado em 2003, durante o primeiro ano do governo Lula. À época, a combinação entre inflação alta, recessão econômica e desemprego também promoveu desvalorização salarial das categorias, mas as perdas foram compensadas posteriormente com a volta do crescimento econômico e a maior vitalidade do movimento sindical para as negociações coletivas.
Na entrevista a seguir, o sociólogo afirma que um dos componentes mais graves do atual arrocho não está relacionado apenas às dificuldades dos sindicatos em negociar com os patrões, mas ao foco do empresariado em demitir para contratar novos trabalhadores com salários mais baixos.  "Às vezes, é mais grave o ajuste salarial feito pelo desemprego e pela rotatividade", afirma. "O trabalhador é pressionado a aceitar uma condição que chega a ser aviltante: vencimentos baixos, ausência de registro em carteira, informalidade, precarização. É um jogo pesado."
CartaCapital: Segundo um levantamento do Dieese, a variação real média dos salários no Brasil é negativa desde 2015, ou seja, a maior parte dos vencimentos está sendo reajustada abaixo da inflação. A crise econômica é explicação suficiente, ou há outros aspectos por trás deste arrocho?Clemente Ganz Lúcio: Se tomarmos como base a série histórica, é possível perceber que 2003 foi o pior ano em termos de reajuste salarial. Tratava-se do ápice da crise enfrentada pelo País no fim dos anos 1990 e início dos 2000. Naqueles anos, observamos um progressivo aumento do desemprego, assim como atualmente. Tudo isso afeta gravemente o ambiente econômico e a vitalidade do próprio movimento sindical nas mesas de negociação para estabelecer as condições da relação de trabalho.
Neste contexto mais recente, entre 2015 e 2016, tivemos um processo de aceleração da inflação, de 15% a 16%, fortemente impactado pela desvalorização cambial, ajuste dos preços administrados e o choque de preços na alimentação. Esse contexto de grave adversidade para a negociação coletiva induz esse resultado negativo nos reajustes salariais.
CC: Qual o impacto da combinação entre inflação alta e recessão sobre o trabalhador?
CGL: Se a inflação fosse mais baixa, mesmo em meio à adversidade econômica, é provável que tivéssemos dificuldade, mas talvez não no mesmo montante. Talvez as perdas salariais fossem menores. As perdas estão associadas à combinação desses dois fatores. Há ainda uma terceira dimensão, que faz parte do nosso sistema de relação de trabalho: no caso brasileiro, as empresas ajustam suas contas pelo emprego.
Às vezes é mais grave o ajuste salarial feito pelo desemprego e pela rotatividade, com trabalhadores desempregados sendo contratados por muito menos, do que o arrocho resultante da negociação coletiva. Agora, a empresa demite, e quando vier a contratar lá na frente, vai haver um exército de reserva muito grande e uma procura intensa pelo mesmo posto. Isso faz com que a empresa faça uma oferta salarial mais baixa
CC: E o trabalhador acaba obrigado a aceitar essa redução nos vencimentos. CGL: Esse movimento é muito mais grave para o aspecto salarial, pois ele leva à baixa condição de resistência aos sindicatos. Como nosso sistema de proteção social é bastante limitado, a possibilidade de se resistir à redução salarial é menor. O trabalhador é pressionado a aceitar uma condição que chega a ser aviltante: vencimentos baixos, ausência de registro em carteira, informalidade, precarização. É um jogo pesado.
CC: Qual era a realidade econômica em 2003? CGL: Em 2003, há o ápice da crise do emprego e da recessão econômica. A recuperação começou no ano seguinte. No primeiro ano do governo Lula, a inflação teve um aumento de expectativa, em razão da especulação feita pelo mercado, um processo rapidamente revertido em seguida. Mas o choque sobre os preços no curto prazo levou as perdas salariais a crescer significativamente naquele ano, já em meio a um mercado de trabalho bastante deteriorado. A maioria das negociações em 2003 não teve sequer a reposição da inflação. 
No entanto, havia um fato novo, que era o governo Lula. O ambiente político era extremamente favorável, a sociedade estava mobilizada, um cenário bem diferente do atual. Estamos em meio a uma brutal crise política, longe de estar solucionada. É uma crise que vem desde o impeachment e segue sem solução, agravada de forma muito severa pela Operação Lava Jato.
Ninguém sabe o que pode ocorrer no Congresso Nacional. Essa crise política cria uma instabilidade muito grande. A gravidade dos problemas exige um nível de acordo social que não está sendo possível alcançar na sociedade brasileira. O desdobramento disso não é necessariamente uma saída econômica mais rápida. A economia brasileira teria condições de ter uma performance diferente se não houvesse uma crise política dessa magnitude. 
CC: Na comparação com 2003, o poder de negociação dos sindicatos também é menor?CGL: Hoje, a fragilidade do movimento sindical é maior. Em 2003, havia uma expectativa de retomada, mas atualmente não há esta perspectiva. O empresariado continua com o freio de mão puxado, o fechamento de empresas predomina, o não pagamento de dívidas, demissões...o movimento recessivo ainda é predominante. Tirando alguns setores como agricultura, as sinalizações positivas são muito incipientes.
CC: A greve branca de policiais no Espírito Santo e no Rio de Janeiro indica o incômodo de categorias de servidores públicos com o arrocho. Qual é a situação atual dos servidores?CGL: O caso do setor público é tão ou mais grave do que o do setor privado. Em muitos estados, a crise fiscal tem resultado em uma política de ajuste de longa duração na força de trabalho e na remuneração do setor público. Como o setor público não tem direito à negociação coletiva, os governos estaduais não são obrigados a chamar a representação sindical para negociar, o que resulta numa crise.
Sem a possibilidade de negociar, os trabalhadores começam a se revoltar, especialmente diante de salário atrasados, cortes. Uma hora explode. A ausência da negociação coletiva não gera um ambiente favorável ao diálogo. Como os governos geralmente não tem essa prática, esse cenário resulta em crise, queda de produtividade, os servidores abandonam suas funções, a qualidade do atendimento cai. O diálogo seria importante para incentivar o bom senso, o equilíbrio. 
CC: A fixação de uma data base para negociações no setor público é uma antiga demanda do movimento sindical.CGL: O que defendemos é a aplicação de uma convenção da Organização Internacional do Trabalho, que reconhece o direito à negociação coletiva dos servidores, mas ainda não houve a regulamentação. Como ainda não está na lei, os governos estaduais ou federal não são obrigados a sentar à mesa para negociar com os servidores. Segundo os dados levantados pelo Dieese, no caso das greves de funcionários públicos, a grande maioria, talvez dois terços, tenham como reivindicação a abertura de negociação. Muitas delas acabam assim que as negociações são abertas. Em muitos casos, se houvesse negociação, talvez não ocorresse a greve. E, possivelmente, não seriam tão longas.
CC: O governo Temer tem sinalizado a regulamentação do direito à greve, até para dificultar a paralisação de servidores que atuam em serviços essenciais.CGL: O governo deve estar observando qual será o comportamento do ajuste fiscal nos próximos anos e está identificando o aumento do conflito. Assim, deve endurecer a regulamentação da greve. O direito à paralisação, na nossa visão, tem de ser regulamentado com o direito à negociação. Se policiais militares não podem ter direito à greve por portarem armas, ao menos eles têm de ter um processo de negociação diferenciado. 
CC: O salário mínimo ficou abaixo do previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano. Foi fixado em 937 reais. Estamos vivenciando o fim do ciclo da política de valorização do salário mínimo?
CGL: Essa política estará em vigor até janeiro de 2019. O reajuste do salário mínimodaqui a dois anos corresponderá ao crescimento econômico de 2017. Logo, o crescimento do salário mínimo em 2018 será nulo porque a economia esteve em recessão no ano passado. Uma eventual alta em 2019 deve ser tímida, pois a recuperação econômica neste ano também deve ser muito pequena ou até nula.
É muito provável que o crescimento do salário mínimo até 2019 seja igual a zero e que ele seja reajustado conforme a inflação. A depender da performance da economia daqui para frente, pode haver uma revisão da política de valorização do mínimo. Se o nível de recessão for muito longo, haverá um crescimento daqueles que vão advogar contra a possibilidade de manter essa política.
A política é importante, mas se a economia vai mal, não há como esperar a valorização do mínimo. Ele sofre a consequência de uma grave recessão. O crescimento do mínimo pode aumentar a demanda e a capacidade de consumo das pessoas, o que pode animar a economia e produzir um ciclo virtuoso. Mas se o crescimento do salário mínimo gerar mais desemprego pelo custo que ele traz a uma economia recessiva, a política perde sentido. Valorizá-lo só faz sentido como parte de um projeto de desenvolvimento econômico. 

sexta-feira, 17 de março de 2017

Protestos contra reformas

Enfim a população começa a protestar contra os absurdos que acontecem no país. A mídia tradicional, em sua maior parte, esconde ou tenta minimizar o alcance dos protestos que ocorreram em todo o país na última quarta-feira. Agora falta Mr. "Fora" Temer dizer que foi apenas meia dúzia de arruaceiros que queriam tumultuar sua "espetacular" administração.



quinta-feira, 16 de março de 2017

Melhorando aonde?

Às vezes penso que algumas pessoas vivem em outro planeta. É certo que um ou outro setor deu mostras de não estar mais em queda livre, mas além de não demonstrar recuperação no próprio setor, são muito poucos para que se pense que temos indícios de uma recuperação econômica. Na melhor das hipóteses podemos dizer que alguns setores chegaram ao fundo do poço com as condições atuais. 

Se vão melhorar e iniciar uma recuperação, isso é outra história. Aí dependeria de condições externas, e ainda mais das internas. De fora nada indica que a situação melhorou. 

E de dentro? Bem, de dentro tudo indica que tendemos mais a piorar do que a melhorar. As medidas tomadas pelo governo seguem sendo recessivas, a crise política tem perspectiva de se agudizar, com a insatisfação popular quanto às "maldades" cometidas pelo atual governo, e também com a própria crise econômica, intensificada por esses atores políticos para desestabilizar o governo anterior, mas da qual sua receita apenas aumenta a própria crise.

Nada indica que tenhamos boas notícias antes de 2018. Por sinal, as previsões de organismos internacionais são bem ruins para o país, com pelo menos mais 1 milhão de desempregados esse ano, e de 3,5 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza.


terça-feira, 14 de março de 2017

O PT aprendeu pouco ou nada com o golpe

Texto interessante.

Vejam bem, primeiro que o PT não é um partido de esquerda. Está mais para centro, onde toma ações que beneficiam a elite endinheirada, e outras que amenizam as condições dos menos favorecidos. Mas em tempos que não mais temos o perigo comunista, esse partido é tido como esquerda.

Penso que Luiz Felipe Miguel tenha acertado na mosca quando analisou o que se passou durante os governos petistas de Lula e Dilma. Esse, inclusive, foi o motivo de termos tido os péssimos Henrique Meirelles comandando o Banco Central de Lula com carta branca, e Joaquim Levy como Ministro da Fazenda de Dilma Roussef, mesmo que se digladiando com o restante da equipe econômica, e com a própria Presidenta.

Mas também penso que esse foi apenas mais um erro do PT durante seu período no governo, porque ao assim proceder, os avanços que realizou se reduziram a simples licenças, empréstimo mesmo, gentilmente cedidos pela plutocracia brasileira, mas que a qualquer momento poderiam estar sendo requisitados de volta.

Pois bem, o momento parece ter chegado.

E o Brasil não necessita de benesses, rapidamente retiradas quando assim o deseja nossa plutocracia, mas sim de conquistar e avanços reais, que façam parte consistente de nossa realidade.


 
Não sou petista, nunca fui. Mas, como qualquer brasileiro de esquerda, olho com atenção o que acontece no PT, já que ele ainda é, apesar de todo o desgaste, a principal legenda do campo popular no país.

Com o PT no governo, criticava-se a política tímida, a acomodação à ordem, a baixa intensidade utópica, o enfrentamento insuficiente dos privilégios históricos. Seus defensores diziam que era o preço a pagar para conquistar avanços seguros - e não me encontro entre os que julgam que tal argumento não merece atenção. Mesmo assim, o governo caiu. Caiu apesar de tanta cautela ou por causa dela? Uma boa discussão, que ainda vai ser travada por muitos anos.

Mas, enquanto travamos essa discussão, há outro ponto que não pode ser descuidado, que é a resistência ao golpe. É aí que o PT, ou parte dele, está emitindo sinais estranhos. A infeliz entrevista de Humberto Costa foi só o mais gritante deles.

Não sei em nome de quem o senador falou. Acho improvável que um líder político, mesmo sendo o Humberto Costa, vá dar uma entrevista daquela sem medir as consequências e sem se sentir lastreado para tanto. Nem é o componente simbólico de ter falado à Veja ou o brado por autocrítica pela corrupção, que pode ser razoável em abstrato mas tem sentido claro no concreto. O ponto é a clara sinalização em favor da "responsabilidade", da "união". O que se lê na entrevista é: vamos superar as mágoas, vamos esquecer o golpe, vamos nos dar as mãos para "salvar o Brasil". Um discurso que podia ser do Temer.

Esse é o jogo do PT? A entrevista foi um ponto fora da curva, ma non troppo. Em dezembro, quando se abriu a crise entre Senado e STF, o senador Jorge Viana deixou claro que não queria ocupar a presidência da casa, que não queria se colocar em posição de atrapalhar a tramitação da PEC que congelou o investimento social. Há menos de um mês, a escolha das mesas tanto da Câmara quanto do Senado expôs o fato de que, para boa parte das bancadas, a luta contra o golpe está longe de ser prioridade. A direção do PT tem vacilado, mas algumas vezes é empurrada pela militância e faz – suaves, é verdade – esforços para impedir que os parlamentares saiam demais da linha.

Tem oportunismo, tem covardia. Mas parece que parte do PT se converteu mesmo ao pensamento único. Acha mesmo que tem que cortar gasto social, cortar direitos, endurecer as regras da previdência. Quem sabe até privatizar a água, como mostrou hoje um dos quatro deputados estaduais petistas do Rio. É uma parte que parece estar vendo no PT pouco mais do que um rótulo de fantasia para a disputa política.

Lula também emite sinais ambíguos. É alvejado pelos golpistas dia sim, dia também, mas parece que aquele troço de "paz e amor" entranhou nele. Aqui, faz um discurso aguerrido contra o golpe; ali, solta seu beneplácito para negociações de bastidores com os apoiadores de Temer. É o candidato dos pesadelos da direita para 2018, mas até agora não sinalizou, nem uma única vez, que entendeu que, se voltar à presidência, não poderá repetir a política de apaziguamento que colocou em marcha nos seus dois mandatos.

O PT mudou muito ao longo da sua história. O PT que chegou ao poder já era muito diferente daquele que tinha sido fundado pouco mais de 20 anos antes. Mas parece que agora uma grande parte dele não consegue mais se transformar. O partido que pode somar para a resistência democrática certamente não é o mesmo que exerceu o poder. A parte do PT que não entende isso trabalha objetivamente contra, e não a favor do movimento popular.

Espero que a militância do PT, que está entendendo o sentido do golpe muito melhor do que muitos de sua liderança, predomine dentro do partido.