sexta-feira, 2 de março de 2018

O Judiciário falta ao Brasil

Rui Barbosa teria dito que "o Judiciário é o poder que mais tem faltado à República". Ao mesmo tempo a Ministra do STF, Carmen Lúcia, disse na semana passada que "o cidadão brasileiro está cansado de todos nós". 

Difícil discordar dessas afirmações, se lemos o texto abaixo, escrito pelo Prof. Élio Gasda.

E interessante notar que, em seu título, Gasda separa a democracia sem povo, e o judiciário sem justiça, mas no decorrer de suas linhas, mostra claramente que uma coisa está intimamente imbricada com a outra. Não existe democracia sem povo, mas também não existe sem "justiça justa", e a democracia precisa da Justiça e a Justiça precisa do povo.

E o que seria a "justiça justa"? Aquela que julga de acordo com a Constituição, as Leis e as provas. Aquela que aplica esses parâmetros de julgamento para todos, independente de qualquer característica, física ou ideológica, que possa diferenciar os cidadãos de seu país.

 O povo e a democracia são conceitos que, de alguma forma, todos entendem e dominam. Então quando Gasda escreve seu texto abaixo, descreve como a democracia é falha no Brasil, como a justiça não está a seu serviço, e como no final, o povo é deixado a margem de todo o processo, comparecendo apenas na festa, onde faz figuração, mas onde não tem direito a ter sua vontade respeitada, ou seus anseios atendidos, estando todo o sistema da nação (republicano é outra coisa) a serviço de uma elite financeira, que se locupleta através das benesses do Estado, que deveria estar justamente servindo à diminuição das discrepâncias.

Segundo Gasda, tudo isso ocorre porque o judiciário precisa de reformas, já que não atua de forma democrática. Ora, eu vou mais longe. Em que país do mundo, um senador não seria processado porque seus pares vergonhosamente o protegeram, mesmo tendo provas tão robustas contra ele? Outros deputados e senadores também foram vergonhosamente protegidos por seus pares. Em que país do mundo um presidente lidera um golpe, usa o tesouro de um país que passa por sérias dificuldades para manter-se no poder, mesmo com inúmeras provas e acusações contra si, abusa de seu poder convocando as forças armadas para coibir manifestações contra si, nomeia como mnistros pessoas já condenadas para pastas afins a suas condenações, ignorando o princípio da moralidade pública, abusa escancaradamente do orçamento e da estrutura do cargo para benesses pessoais, e tudo fica por isso mesmo.

Resumindo ele diz que no Brasil atual não há democracia. Algo que venho dizendo aqui há tempos.

A diferença é que, no texto, ele acha que é devido a um judiciário falido. Eu acho que é por todo um sistema falido.

Democracia sem povo, judiciário sem justiça

Um governo fundamentalmente corrupto somente se sustenta porque tem no poder judiciário um aliado poderoso.
Temos um judiciário a serviço de um 'grande acordo nacional'?
Temos um judiciário a serviço de um 'grande acordo nacional'? (Gil Ferreira/SCO/STF)
 
Por Élio Gasda*

Quem mais ajudou para que a democracia fosse golpeada e o país retrocedesse tanto em tão pouco tempo? Que elite do atraso é essa (Jessé de Souza)?

Qual o papel do Poder Judiciário nas democracias em países em que a judicialização da política surge em pleno processo de reconstrução democrática após as ditaduras? O Estado Democrático, como compromisso com a cidadania e efetivação dos direitos sociais, exige questionar a atuação dos diferentes atores, dentre eles o Poder Judiciário. Que justiça é a nossa?

O Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo na estrutura judiciária brasileira, tem como principal função garantir que a Constituição Federal seja cumprida. Mas a recente história do Brasil e da justiça foi marcada por uma conversa absurdamente escandalosa: “Jucá: Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para poder estancar essa sangria... Machado: Botar o Michel num grande acordo nacional. Jucá: Com o Supremo, com tudo”.

A justiça é a primeira virtude das instituições políticas (Aristóteles). Justiça imparcial? Um governo fundamentalmente corrupto somente se sustenta porque tem no poder judiciário um aliado poderoso. O Judiciário, que deveria ser uma instituição central à democracia, está a serviço de uma cleptocracia que debocha da Constituição e de seu povo. O STF custa bilhões ao país para isso? Temos um judiciário a serviço de um “grande acordo nacional”? As togas substituíram os militares? O Judiciário deixou de ser um poder periférico, tornou-se uma voz a ditar verdades absolutas. Cortes e juízes passam a decidir temas de cunho político até então restritos ao âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo.

O STF tem como função a defesa da Constituição com vistas a manter a ordem social. Mas, ao defender sua posição social (e partidária), faz com que sua visão se imponha sobre as demais. Este enaltecimento do Supremo como nova autoridade se traduz numa espécie de “supremocracia”. Absolve figuras indecentes da política e condena inocentes e indefesos. Os supremos agem como deuses do Olimpo, fechados em uma verborreia inacessível ao cidadão comum. Como a justiça pode sobreviver ao império da lei do mais rico?

Distante das preocupações da agenda pública contribui no aprofundamento da concentração de riqueza. É como se vivessem na Suíça. O auxílio-moradia dos juízes é constitucional? Se um juiz da Corte Máxima não tem ética, quem vai ter? Togados recebem auxílio moradia de quase 5 mil reais por mês em um país em que a maioria dos trabalhadores tem renda mensal inferior a mil reais. Este “auxílio” equivale a cinco salários mínimos. Juízes e desembargadores de oito estados tiveram remuneração acima do teto constitucional (33.700 reais). Juízes do Tribunal de Justiça de Rondônia receberam, em média, 48.500 reais em novembro. Seus filhos vão receber “auxílio educação” de 7 mil até os 24 anos. A lei existe, mas nem tudo o que é legal é ético.

Em que medida a atuação do STF é legítima, considerando a dinâmica de interesses do campo político? O juiz deveria ser o último guardião das esperanças tanto do cidadão como da sociedade. Organizar os laços sociais, certificar a verdade, defender a Constituição. Mas o ativismo judicial de muitos juízes se confunde com sua militância política a invadir as competências dos outros poderes. O exercício excessivo do judiciário viola o princípio da separação dos poderes. Militância de classe, militância partidária feita por intérpretes da Constituição significa um empobrecimento da democracia. Numa ordem constitucional democrática o controle jurídico não é tudo. Defensores da constituição são todos os órgãos constitucionais e todos os cidadãos com compromisso democrático.

A democracia representativa deu lugar à plutocracia da elite do atraso integrada pelo judiciário. Democracia sem povo, judiciário sem justiça, um “direito mercadoria” negociado pelos endinheirados. A encenação da democracia é consumada no teatro das eleições. A representação separa aqueles que têm influência daqueles que, mesmo que gritem, nunca são ouvidos. Eleitores e elegidos vivem em mundos separados.

 Estamos em ano eleitoral. A mídia chama as eleições de “festa da democracia”. Votar tornou-se algo extraordinário. Depois da festa tudo volta ao normal. No Brasil, a democracia se limita ao “vem pra urna”. Sua restauração não se reduz ao direito de fulano ou sicrano concorrer à presidência. Isso esconde as mazelas de um sistema apodrecido que não pode ser restaurado por salvadores da pátria. A quem interessa manter um sistema que não representa ninguém, senão o poder financeiro, ou o Deus convertido em Dinheiro. “Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro” (Giorgio Agamben). A restauração da democracia exige a reforma do Poder Judiciário para que este volte a cumprir seu papel de defensor da Constituição Federal. “É preciso que a justiça penetre completamente as instituições dos povos e toda a vida da sociedade” (Pio XI, Quadragesimo anno, n.88). A recuperação da credibilidade de um Judiciário desmoralizado é fundamental.

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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